A lírica camoniana

Há ainda as sátiras e as cartas, moldadas em metro tradicional.
Em vida, Camões viu apenas publicadas uma ode a apresentar Garcia de Orta em Colóquios dos Simples e Drogas (1563), o soneto "Vós, ninfas da gangética espessura", a elegia "Depois que Magalhães teve tecida", ambos dedicados a D. Leonis Pereira, insertos no livro de Magalhães Gândavo: História da Província de Santa Cruz (1576).
Diogo de Couto informa-nos na Década VIII que encontrou Camões em Moçambique "vivendo de amigos", trabalhando em "suas Lusíadas" e no seu Parnaso - "livro de muita doutrina e filosofia" que lhe foi roubado e "nunca mais - refere o historiador - dei fé dele".
O desaparecimento do Parnaso deu lugar à incorporação de poesias em Rimas que certamente não lhe pertencem.
A primeira edição data de 1595, feita por F. Rodrigues Lobo Soropita.
Manifestam-se no lirismo camoniano dois tipos de estilo: o estilo engenhoso, na tradição do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, presente em quase todas as redondilhas e em alguns sonetos, que se fundamenta na coisificação das palavras e das realidades sensíveis e manifesta subtileza e imaginação; o estilo clássico, em que as palavras pretendem captar uma realidade externa ou interna, com existência independente das mesmas.
A temática é variada, podendo afirmar-se que gravita à volta de três eixos: o galanteio amoroso, mais ou menos circunstancial; os temas psicológicos, quase sempre analisando a paixão amorosa e os temas filosóficos, como a desarmonia entre o Merecimento e o Destino, o direito à felicidade e a impossibilidade de a alcançar; a justiça aparente e a justiça transcendente.
São temas comuns aos bons escritores renascentistas, mas o tom em que Camões os trata é pessoal, nele transparecendo a aliança entre a meditação e a experiência.
Influência clássica renascentista
Em Luís de Camões, a tradição do lirismo peninsular coexistiu com a estética clássica renascentista e o maneirismo que marcaram o seu tempo. Juntamente com a poesia de sabor trovadoresco, surge uma poesia cujos modelos formais e temática ("medida nova") revelam a cultura humanística e clássica do autor, que soube encontrar em Platão, Petrarca ou Dante um mentor ou um mestre para o caminho que trilhou e explorou com sabedoria, com entusiasmo e com a paixão do seu temperamento.
Cantando o amor sublime ou a relação mais fútil, o poeta soube, como poucos, definir-se e definir a alma humana, oferecendo-nos a sua experiência de vida ou o mundo no seu desconcerto, com os seus problemas sociais e morais e a eterna questão do mal que aflige a Humanidade. Os temas da sua lírica são vastos e variados, indo da análise da sua vida interior à caracterização da realidade do seu tempo ou à busca do dimensionamento do homem universal.
Na poesia com influência clássica e renascentista, fruto das novas ideias trazidas, de Itália, por Sá de Miranda e António Ferreira, verifica-se um alargamento dos temas e a colocação do ser humano no centro de todas as preocupações.
Desta fase, merece destaque o tratamento de certos temas: o Amor platónico, a saudade, o destino, a beleza suprema, a mudança, o desconcerto do mundo, o elogio dos heróis, os ensinamentos morais, sociais e filosóficos, a mulher vista à luz do petrarquismo e do dantismo, a sensualidade, a experiência da vida.
A nível formal, o verso é o da medida nova, com o uso do verso decassílabo heróico (de acentuação nas 6.ª e 10.ª sílabas) ou sáfico (nas 4.ª, 8.ª e 10.ª), ou ainda, com o uso (menos frequente) do verso hexassílabo. As formas poéticas mais frequentes são o soneto, a canção, a sextina, a écloga, a elegia e a ode.
Influência tradicional na lírica camoniana
Na lírica camoniana, a "medida nova", ou seja, a poesia que segue os modelos estéticos renascentistas, surge a par da poesia com sabor trovadoresco dos Cancioneiros ("medida velha").
Na poesia de influência tradicional, é evidente o aproveitamento da temática da poesia trovadoresca e das formas palacianas. Assim, encontramos temas tradicionais e populares (o amor, a saudade, a beleza da mulher, o contacto com a natureza, a ida à fonte...), o ambiente cortesão com as suas "cousas de folgar" e as suas futilidades, o humor. A nível formal, o verso é o da medida velha: com 5 sílabas métricas (redondilha menor) ou com 7 (redondilha maior). As formas poéticas mais frequentes são as da poesia palaciana do século anterior: os vilancetes, as cantigas, as esparsas, e as trovas.
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