24 de ago. de 2011

ARCADISMO

ARCADISMO EM PORTUGAL





        ARCADISMO EM PORTUGAL


        O Arcadismo, também conhecido como Neoclassicismo, caracteriza-se pela busca de restauração dos ideais de sobriedade e equilíbrio da antiguidade clássica em contraposição aos excessos do período anterior, o Barroco.
        O movimento é contemporâneo do Iluminismo, corrente de pensamento racionalista que se divulgou pela Europa no século XVIII e que culminou com a Revolução Francesa, em 1789. Associações de letrados como a Arcádia Romana e, mais tarde, a Arcádia Lusitana foram veículos importantes para a propagação do ideário do movimento na Europa.
        O nome "Arcádia" é inspirado na região lendária da Grécia que representa o ideal de comunhão entre homem e natureza, daí o Arcadismo ter como tema privilegiado o bucolismo, em que a natureza é vista como refúgio último das noções de verdade e beleza.
        No Brasil, os poetas que melhor representam o movimento são Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, autor de Marília de Dirceu. Ambos participaram da Inconfidência Mineira, movimento político que visava a emancipação do Brasil em relação a Portugal.
        Os poemas laudatórios de Basílio da Gama e a produção poética de Alvarenga Peixoto e Silva Alvarenga também apresentam traços típicos do Arcadismo.
        Todos esses poetas concentravam-se na cidade mineira de Vila Rica, centro da atividade mineradora e mais importante centro urbano do país nesse período. No Rio de Janeiro, nos anos de transição entre os séculos XVIII e XIX, entre uma série de novidades de ordem política e econômica que começam a transformar a fisionomia do país, verifica-se o surgimento de diversos órgãos de imprensa. Nesse momento tardio do Arcadismo, têm destaque as figuras dos jornalistas Hipólito da Costa, fundador do jornal Correio Braziliense, e Evaristo da Veiga, cronista político do Aurora Fluminense.


Contexto


        No Brasil, o século XVIII é considerado o século do ouro, graças à intensa atividade de extração mineral que se desenvolveu na região de Minas Gerais. A prosperidade econômica do período estimulou a organização política, administrativa e dinamizou a vida cultural. A maior agilidade na troca de informações favoreceu a formação de uma consciência comum, de um sentimento nacional que, na literatura, começa aos poucos a substituir o impulso de descrição da natureza e do nativo, dominante até então. Pela primeira vez, é possível verificar no país uma relação sistemática, ainda que incipiente entre escritor, obra e público, condição fundamental para a formação de uma literatura, conforme ensina o crítico Antonio Candido. O impulso de intelectuais e artistas de se reunirem em academias e sociedades literárias contrapõe-se ao isolamento dos períodos anteriores, em que os escritores se encontravam dispersos, as obras mal circulavam no interior do país, dirigindo-se primordialmente para leitores portugueses.
        A Europa vivia a efervescência do Iluminismo e transformava-se num pólo irradiador de idéias libertárias. Ao mesmo tempo, chegavam ao Brasil as primeiras notícias sobre a independência dos Estados Unidos, conquistada em 1776. Todos esses fatores, associados à insatisfação generalizada com a exploração de Portugal, que se traduzia no aumento dos impostos sobre a extração de minérios, culminaram na Inconfidência Mineira, preparada por um pequeno grupo de letrados, muitos deles ex-estudantes da Universidade de Coimbra, onde entraram em contato com as novas idéias e doutrinas políticas. Em sua maior parte, esse grupo de oposição política era o mesmo que produzia ciência e literatura na época.
        O marco inicial do estilo árcade no Brasil é a publicação de Obras, de Cláudio Manuel da Costa, em 1768. Sob influência de teorias francesas e italianas, os integrantes do movimento empenharam-se em restaurar a simplicidade da língua literária, que estaria contaminada por excessos retóricos e por formas degeneradas da literatura barroca. O nome Arcadismo é uma alusão à Arcádia Lusitana, associação fundada em 1756 em Portugal que congregava os opositores do maneirismo seiscentista. Inspirada na Arcádia Romana, criada em Roma em 1690, ela também remonta ao romance pastoral Arcadia (1504), do escritor italiano Jacopo Sannazaro. A obra retrata uma lendária região grega chamada Arcádia. Dominada pelo deus Pã, ela seria habitada por pastores cujo modo de vida bucólico e devotado à poesia foi transformado pelos neoclássicos em modelo ideal de convivência entre o homem e a natureza. Daí o fato de os escritores da época denominarem-se pastores e adotarem pseudônimos poéticos, como Glauceste Satúrnio (Cláudio Manuel da Costa), Alcindo Palmireno (Silva Alvarenga) e Termindo Sepílio (Basílio da Gama).
        Com o propósito de restabelecer o equilíbrio da produção poética, autores do século XVIII empenharam-se na elaboração de manuais que recuperavam regras e padrões do Renascimento, por sua vez consolidados com base em formulações clássicas, principalmente de pensadores como Horácio e Aristóteles. Entre os mais importantes destacam-se o francês Nicolas Boileau, autor da Arte Poética, e o espanhol Luzán, cuja obra central é Poética. Em língua portuguesa, os principais doutrinadores do arcadismo foram Luís Antônio Verney, autor do Verdadeiro Método de Estudar (1747), e Francisco José Freire, que escreveu Arte Poética (1748).
        Dos escritos desses doutrinadores, derivam duas idéias que contribuem para esclarecer parte da produção poética do século XVIII. A primeira é a idéia de que o poeta não é um sujeito em busca de meios para expressar sua subjetividade, e sim um artífice valorizado pela capacidade de pôr seu conhecimento técnico a serviço de uma causa externa. A segunda, a noção de utilidade da poesia, ou seja, a noção de que ela engrandece à medida que louva, descreve e propaga a verdade, verdade esta que se confundia com os interesses do estado.


Estilo



CARACTERÍSTICAS GERAIS


        Os antigos escritores gregos e romanos sintetizam o ideal de harmonia que os autores do período buscavam resgatar. Por isso eles também são conhecidos como neoclássicos. Tida como reduto por excelência do equilíbrio e da sabedoria, a natureza é a temática mais freqüente do Arcadismo.
        Em grande medida, é possível dizer que a poesia arcádica caracteriza-se por essa busca pelo "natural", ao qual estavam sempre associadas as idéias de verdade e de beleza.
        Apesar de ter sido influenciada pela tradição poética do século XVI, cujo nome mais importante é Camões, e de apresentar resquícios do Barroco em certos casos, a poesia arcádica é um modelo de simplicidade e objetividade, se comparada com as obras do período anterior. Exemplos dessa simplificação da linguagem são a valorização da ordem direta, o verso sem rima, a singeleza do vocabulário e a menor incidência de comparações e antíteses - todos fatores identificáveis na produção poética do Arcadismo.
        Essa liberdade formal, no entanto, era regida por normas consolidadas e formatos fixos que só começariam a afrouxar a partir do Romantismo. O soneto, por exemplo, era uma das formas mais empregadas, como se pode perceber pela obra de Cláudio Manuel da Costa. Também bastante utilizados eram a ode (composição poética dividida em estrofes simétricas, para ser cantada), a elegia (poesia sobre tema fúnebre) e a écloga (poesia pastoril).
        Sem perder a impregnação religiosa nem o respeito à monarquia, os poetas do período abordaram assuntos mais imediatos e concretos do que seus antecessores.
        Fazem parte de seu universo temático o elogio da virtude civil, a crença na melhoria do homem pela instrução, a noção de que a harmonia social depende da obediência às leis da natureza, e a concepção da felicidade como conseqüência da prática do bem e da sabedoria. Todas essas idéias, em grande medida derivadas do Iluminismo, encontram expressão política na figura do Marquês de Pombal.
        Secretário do rei D. José I, Pombal é a face portuguesa do "despotismo esclarecido" que vigorou em certos países da Europa nos séculos XVII e XVIII. Ele promoveu a reforma do ensino na Universidade de Coimbra, a reconstrução da cidade de Lisboa após o terremoto de 1755 e a expulsão dos jesuítas do território da coroa portuguesa.
        Também foi o maior mecenas das artes do período, o que justifica o apoio de poetas do Arcadismo à sua causa.
        É difícil compreender um poema como O Uruguai, por exemplo, longe desse contexto. Nessa obra épica, Basílio da Gama louva a política da coroa portuguesa de combate aos jesuítas, que são retratados de maneira impiedosa. Também O Desertor, de Silva Alvarenga, foi composto com o propósito único de cantar loas à reforma do ensino empreendida por Pombal.
        O iluminismo pombalino caracterizou também a prosa do período. Ela se manifestava nas formas de sermões, discursos, panfletos e ensaios de jornal. Os escritos teóricos e científicos, em sua maioria produzida em Portugal sob os auspícios do Marquês, também tiveram influência durante o Arcadismo, como atestam os manuais de poesia de Verney e Freire e os textos sobre a reforma educacional escritos por autores como Antonio Nunes Ribeiro Sanches. A prosa literária, no entanto, atingiu pouca expressão. Uma razão para isso é o fato de que a poesia era então considerada um meio adequado para a discussão de idéias de interesse público. Assim, diversos autores do período manifestaram-se sobre ciência, educação, filosofia, política ou até temas técnicos, como zoologia e mineração, em textos versificados.


Autores







Os principais cronistas do Arcadismo no Brasil pertencem a um período tardio do movimento.


        Eles realizaram seus trabalhos já no limiar do século XIX. Nessa época, em especial depois da chegada da família real ao Rio de Janeiro, em 1808, tinha início um processo profundo de transformação da sociedade brasileira que, no plano cultural, iria desembocar no Romantismo. Dois nomes têm destaque nesse momento: Evaristo da Veiga (1799-1837) e Hipólito José da Costa (1774-1823). Poeta, livreiro e deputado, Veiga fundou o jornal Aurora Fluminense, onde escreveu a crônica política do período. Autor da letra do primeiro hino nacional brasileiro, que mais tarde se tornaria o Hino à Independência, Evaristo da Veiga é considerado o primeiro jornalista brasileiro. Costa, por sua vez, foi o fundador do Correio Brasiliense. Primeiro grande jornal da imprensa brasileira, o Correio era um espaço de divulgação de idéias iluministas e de estudos sobre questões nacionais. Editado em Londres entre 1808 e 1823, o jornal teve papel fundamental para a emancipação política do Brasil. Segundo o crítico Alfredo Bosi, Veiga e Costa foram responsáveis pela criação do molde brasileiro da prosa jornalística de idéias e desempenharam papel decisivo para a formação de um público leitor no país.
        É na obra dos poetas, no entanto, que se manifestam os traços mais característicos do Arcadismo.
        O poeta mais importante do Arcadismo português é Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805). Mais conhecido pelos poemas satíricos, ele também praticou poesia lírica.
        Embora no início tenha escrito de acordo com as convenções do Arcadismo, no fim da vida produziu versos que não cabem nos moldes do movimento. Essa fase de sua obra é considerada pelos críticos como pré-romântica. No Brasil, Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto tiveram participação marcante tanto na literatura quanto nas questões políticas de seu tempo. Em contexto diverso, Basílio da Gama, Silva Alvarenga e Santa Rita Durão são os outros autores que, ao lado deles, produziram as obras mais significativas do período.
        Entre os membros do grupo mineiro, foi Cláudio Manuel da Costa quem exprimiu com mais clareza os modelos arcádicos. É em sua obra que o lirismo pastoral, marca definidora da poesia do período, apresenta-se com mais nitidez. Para o crítico Antonio Candido, o melhor da produção de Cláudio Manuel da Costa está nas Obras, em que o culto dos modelos clássicos alia-se a uma requintada sonoridade e a uma consciência nítida dos problemas de seu tempo, além de referências constantes ao cenário rochoso de Minas Gerais, como no Soneto VIII [Este é o rio, a montanha é esta]. Outro traço característico de sua obra é a vibração política, também presente nas Cartas Chilenas, de Gonzaga.
        Quanto a Tomás Antônio Gonzaga, é possível dizer que foi o autor da lírica amorosa mais popular da literatura de língua portuguesa.
        Trata-se do poema Marília de Dirceu, dividido em liras que a partir da publicação do poema em livro, em 1792, foram declamadas, musicadas e cantadas em serestas e saraus pelo Brasil afora. Referindo-se à lira III da parte III, Manuel Bandeira escreveu: "Nessa lira esqueceu o Poeta a paisagem e a vida européia, os pastores, os vinhos, o azeite e as brancas ovelhinhas, esqueceu o travesso deus Cupido, e a sua poesia reflete com formosura a natureza e o ambiente social brasileiro, expressos nos termos da terra com um fino gosto que não tiveram seus precursores".
        Gonzaga foi o poeta do Arcadismo que levou mais adiante em seus versos a expressão de uma individualidade em conflito, de certo modo abrindo caminho para os arroubos dilacerados da poesia romântica.
        Além de O Uraguai, os outros dois poemas épicos importantes do período são O Caramuru, de Santa Rita Durão, e Vila Rica, de Cláudio Manuel da Costa. O primeiro é uma imitação de Os Lusíadas que retoma motivos de louvor da natureza do Brasil e tem importância histórica pela riqueza de elementos com que descreve o indígena.
        O segundo, um poema de exaltação à cidade mineira igualmente lembrada por seu caráter documental.
        Alvarenga Peixoto e Silva Alvarenga, outros poetas relevantes da época, deixaram uma obra marcada pela crítica política e nativismo, no primeiro caso, e pela variedade formal e leveza rococó, no segundo.
        De maneira geral, ainda de acordo com Antonio Candido, é possível dizer que a importância dos poetas arcádicos reside no "esforço de trazer à pátria os temas e as técnicas mentais e artísticas do ocidente europeu, dando à nossa literatura um alcance potencialmente universal, antes mesmo que ela tomasse consciência de sua individualidade nacional."



Arcadismo


        O Arcadismo foi um estilo literário que perdurou pela maioria do século XVIII, tendo como principal característica o bucolismo, elevando a vida despreocupada e idealizada nos campos. Muitos dos participantes da Conjuração Mineira foram poetas árcades.
Cláudio Manuel da Costa

        Introdutor do Arcadismo no Brasil, Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) estudou Direito em Coimbra.
        Rico, advogou em Mariana, SP, onde nasceu e estabeleceu-se depois em Vila Rica. Foi um poeta de transição, ainda muito preso ao Barroco. Era grande amigo de Tomás Antônio Gonzaga, como atesta a poesia deste. Tinha os pseudônimos (apelido, no caso dos árcades, de origem pastoril) de Glauceste Satúrnio e Alceste. O nome de sua musa era Eulina. Foi preso em 1789, acusado de reunir os conjurados da Inconfidência Mineira. Após delatar seus colegas, é encontrado morto na cela, um caso de suicídio até hoje nebuloso. Na citação a seguir está presente um elogio ao campo, lugar idealizado pelos árcades.

"Quem deixa o trato pastoril, amado,
Pela ingrata civil correspondência,
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro da paz não tem provado."
Basílio da Gama

        O poeta José Basílio da Gama (1741-1795), nascido em São João del Rei, MG. Estudou com os Jesuítas no RJ até a expulsão destes do Brasil pelo Marquês de Pombal. Foi para Itália e ingressou na Arcádia Romana, adotando o pseudônimo de Termindo Sipilío. Escapou de acusações de jesuitismo escrevendo elogios ao casamento da filha do Marquês de Pombal. Escreveu O Uruguai ajudado por este e o publicou em 1769. A segunda passagem é uma das passagens mais famosas de sua obra: a morte de Lindóia.

"Na idade que eu, brincando entre os pastores,
Andava pela mão e mal andava,
Uma ninfa comigo então brincava,
Da mesma idade e bela como as flores."

"Açouta o campo coa ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindóia
O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece, com que dor! No frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito."
O Uruguai
Tomás Antônio Gonzaga

        Nascido em Porto (1744-1810?) de pai brasileiro, estudou na BA e formou-se em Coimbra em Direito, sendo um jurista habilidoso. Envolvido na Inconfidência é preso em 23/05/1789 e mandado para a prisão no Rio de Janeiro. É deportado para a África em 1792. Na África se casa com uma rica herdeira, recupera fortuna e influências e morre, provavelmente, em 1810. Produziu pouco, exceto no curto tempo em que esteve em MG. Apaixonado por Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, escreveu Marília de Dirceu em sua homenagem. Ele ia casar-se com ela e partir para a Bahia assumir um cargo de desembargador, mas foi preso uma semana antes. Segundo suas poesias ele não participava da Conjuração, apesar de ser amigo de Cláudio Manuel da Costa. De fato, Gonzaga, acusado de ser o mais capaz de dirigir a Inconfidência e ser o futuro legislador, não suportava Tiradentes. Escreveu também as Cartas Chilenas, que satirizavam seu desafeto, o governador Luís Cunha Meneses. Sua obra apresenta características transitórias para o Romantismo, como a supervalorização do amor e a idealização da mulher em Marília de Dirceu.

"Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos ainda não está cortado;
Os Pastores, que habitam este monte,
Respeitam o poder de meu cajado."
Marília de Dirceu

" Assim o nosso chefe não descansa
De fazer, Doroteu, no seu governo,
Asneiras sobre asneiras e, entre as muitas,
Que menos violentas nos parecem,
Pratica outras que excedem muito e muito
As raias dos humanos desconcertos."
Cartas Chilenas
Santa Rita Durão

        O Frei José de Santa Rita Durão (1720-1784), orador e poeta, pode ser considerado o criador do indianismo no Brasil.

        Seu poema épico Caramuru é a primeira obra a ter como tema o habitante nativo do Brasil; foi escrita ao estilo de Camões, imitando um poeta clássico assim como faziam os outros neoclássicos (árcades). Santa Rita Durão nasceu em Cata Preta (MG) e mudou-se para a Europa aos 11 anos de idade, onde teve grande participação política. Foi também um grande orador.
Alvarenga Peixoto

        Inácio José de Alvarenga Peixoto (1744?-1792) estudou com os jesuítas e formou-se com louvor na Universidade de Coimbra. Foi juiz e ouvidor. Casou-se com uma poetisa e deixou a magistratura, ocupando-se da lavoura e mineração no MG. Foi implicado na Inconfidência Mineira junto com seu parente, Tomás Antônio Gonzaga, e seu amigo Cláudio Manuel da Costa. Sentenciado a morte, teve a sentença comutada para degredo para Angola, onde morreu num presídio. Sua obra artística foi pequena, mas bem acabada. Segue um exemplo.

"Eu vi a linda Jônia e, namorado,
Fiz logo voto eterno de querê-la;
Mas vi depois a Nise, e é tão bela,
Que merece igualmente o meu cuidado."

ARCADISMO NO BRASIL

O ARCADISMO NO BRASIL
CONTEXTO HISTÓRICO

A descoberta do ouro na região de Minas Gerais, em fins do século XVII, significa o início de grandes mudanças na sociedade colonial brasileira. A corrida em busca do metal precioso desloca para serras, até então desertas, uma multidão de aventureiros paulistas, baianos e, em seguida, portugueses. A abundância do ouro gera extraordinária riqueza e os primeiros acampamentos de mineiros transformam-se rapidamente em cidades.
Um esquema de abastecimento para as minas é organizado por tropeiros paulistas. Sorocaba, no interior de São Paulo, torna-se o maior centro de transporte das tropas de gado vacum e muar para Minas Gerais. Ali realiza-se uma grande feira, entre maio e agosto, onde se encontram vendedores e compradores de animais e mantimentos. São paulistas ainda os que avançam cada vez mais para o Sul. Primeiro, desenvolvem roças e fazendas de criação bovina na região de Curitiba. Depois, irrompem nos campos da serra e no pampa rio-grandense para capturar o gado que vivia em liberdade (milhões e milhões de cabeças).
Este sistema de abastecimento das cidades mineiras - já que nada se produzia nelas - integra e unifica as várias regiões do Brasil, criando a noção de que poderíamos constituir um país. Por outro lado, a leva de habitantes do reino, que aqui chega, impõe a língua portuguesa como a língua básica, desalojando a "língua geral", baseada no tupi, e que imperava nos sertões e entre os paulistas. Desta forma, adquire-se também uma unidade linguística.
O ouro parece ser suficiente para todos. Enriquece os mineiros, os comerciantes, os tropeiros e, acima de tudo, o reino português. Centenas de toneladas do precioso metal são levadas para o luxo, o desperdício e a ostentação da Corte. Parte considerável deste ouro vai parar na Inglaterra, financiando a Revolução Industrial, na medida em que o domínio comercial dos ingleses sobre a economia portuguesa era absoluto. Contudo, a partir da segunda metade do século XVIII, a produção aurífera começa a cair e as minas dão sinais de esgotamento.
O Período de Pombal
Neste momento histórico, D. José assume o reino e nomeia como primeiro-ministro o Marquês de Pombal, que permanecerá no poder de 1750 a 1777. Típico representante do despotismo esclarecido, Pombal inicia uma série de reformas para salvar Portugal da decadência em que mergulhara desde meados do século XVI. O violento terremoto que destrói Lisboa, em 1755, amplia as necessidades financeiras do tesouro luso e os impostos são brutalmente aumentados.
O reformismo de Pombal enfrenta resistências, e ele decide expulsar os jesuítas dos territórios portugueses, no ano de 1758. Também a parcela da nobreza que se opunha a seus projetos é aprisionada e silenciada. Um grande esforço industrial sacode a pasmaceira da Corte. Monopólios comerciais privados e empreendimentos fabris comandam a tentativa de mudança do modelo econômico. O ouro do Brasil funciona como lastro destas reformas.
A morte de D. José, em 1777, assinala também a queda de Pombal. A sucessora do trono, D. Maria, procura tapar os rombos (cada vez maiores) do Erário Real, aumentando ainda mais a pressão econômica sobre a Colônia. Além dos impostos extorsivos, ela proíbe toda e qualquer atividade industrial em nosso país. Criam-se assim as condições para o surgimento de um sentimento nativista.
A Inconfidência Mineira
O crescente endividamento dos proprietários de minas com a Coroa aumenta o desconforto e a repulsa pelo fisco insaciável. Na consciência de muitos ecoa o sucesso da Independência Americana, de 1776. E também a força subversiva das idéias iluministas - expressas em livros que circulam clandestinamente por Vila Rica e outras cidades. Tudo isso termina por estimular membros das elites e alguns representantes populares ao levante de 1789.
Apenas a traição de Joaquim Silvério impedirá que a Inconfidência Mineira chegue a bom termo. Porém, o martírio de Tiradentes e a participação de poetas árcades (ainda que tênue e por vezes equivocada), no esforço revolucionário, transformam a sedição no episódio de maior grandeza do passado colonial brasileiro.


CONTEXTO CULTURAL

 
A riqueza gerada pelo ouro amplia espetacularmente a vida urbana em Minas Gerais. Não são apenas aventureiros à cata de pedras preciosas. As novas cidades estimulam serviços e ofícios: uma multidão de carpinteiros, pedreiros, arquitetos, comerciantes, ourives, tecelões, advogados e prostitutas encontram trabalho nestas ruas quase sempre tortuosas e íngremes.
Logo Vila Rica alcança trinta mil habitantes e Portugal apresta-se a montar uma poderosa rede burocrática, capaz de controlar toda a vida social e impedir o contrabando do ouro e a sonegação dos impostos. A necessidade de organização administrativa e a obsessão portuguesa pela aparelhagem estatal levam à nomeação de milhares de funcionários civis e militares.
Este imenso setor público e mais os mineradores e comerciantes enriquecidos, os tropeiros endinheirados, os profissionais liberais e os trabalhadores livres rompem o dualismo senhor-escravo que até então caracterizara a nossa estrutura social. Novas classes aparecem e dão complexidade ao mundo urbano que se forma.
A Função Social da Literatura
A existência citadina (medíocre até o século anterior) aproxima as pessoas através da vizinhança. traduz-se em relações sociais, em concorrência, em novos estímulos. A literatura, a exemplo da música, vai funcionar, nesta circunstância, como elemento de ligação social, de conversação e de prestígio.
Nos saraus - muito comuns na época - pessoas ilustradas vão ouvir recitais de poemas e pequenas peças musicais, emitirão opiniões, trocarão impressões e acabarão constituindo o núcleo de um público regular e permanente, interessado em arte, sobretudo, na arte literária.
Surgem Academias e Arcádias, associações de intelectuais - geralmente poetas - com objetivos e princípios literários comuns. Pela primeira vez, no país, temos uma noção de escola artística, entendida como a articulação de um grupo numeroso de letrados em torno de valores estéticos e ideológicos.
Não se trata mais de fugir da indiferença do meio e preservar uma mesquinha vida cultural. A sociedade urbana começa a estimular e aplaudir os seus artistas: músicos, pintores, escultores, arquitetos e poetas. É claro que estes últimos, por pertencerem ao grupo dominante, recebem as maiores honrarias e distinções.
Devemos assinalar também a existência de ótimas bibliotecas particulares na época. Possuir livros (mesmo que os "subversivos") torna-se indicação de nobreza espiritual e de interesse pelo destino da humanidade. No interessante estudo O diabo na livraria do cônego, Eduardo Frieiro registra que os principais inconfidentes mantinham boa quantidade de volumes em suas casas, embora o dono da maior biblioteca privada fosse o padre Luís Vieira da Silva.
Influenciado por idéias iluministas, este bom cônego guardava oitocentos livros em sua residência, entre dicionários, textos sobre oratória, teoria estética, vida religiosa, etc., e, como não podia deixar de ser, algumas "obras perniciosas", produzidas por adeptos do Século das Luzes.
Sublinhe-se, por fim, que desde o início da colonização até meados do século XVIII, criadores e receptores de obras literárias tinham surgido e desaparecido em ondas dispersas e descontínuas. Explosões de talentos isolados, como Vieira ou Gregório de Matos, aglutinavam em torno de si um número expressivo de ouvintes, possivelmente alguns imitadores, mas não chegavam a estruturar um verdadeiro movimento artístico, com permanência, ressonância, durabilidade. Eram manifestações soltas, fragmentárias, condenadas ao esquecimento das gerações posteriores. Só a partir do Arcadismo se consolidaria o que Antonio Candido chama de "sistema literário".


O Sistema Literário

 
Entende-se por sistema literário um conjunto de fatores que garante à arte da escrita certa regularidade, certa permanência e certa capacidade de ultrapassar o desaparecimento dos artistas, gerando algo como uma tradição cultural. Os fatores básicos de um sistema literário são:
a) autores; b) obras: produzidas dentro de um mesmo código lingüístico e perspectivas mais ou menos comuns; c) público leitor permanente.
Este último constitui o componente essencial do referido sistema. Porque é óbvio que, sem leitores permanentes, nenhuma literatura pode se desenvolver. Através deles se estabelece uma rede de transmissão de idéias, gostos, debates, estímulos, rejeições, experiências e valores estéticos. São eles que criam uma linha de continuidade entre o passado, o presente e o futuro da vida literária de um país.
A Importância do Arcadismo
Durante a vigência do Arcadismo, estabeleceu-se este sistema - embora tímido - e que não mais seria destruído. A partir de então, de forma contínua, autores produziriam obras que seriam consumidas por gerações de leitores. Ou seja, quando o crescimento urbano estrutura o sistema literário, cria também as condições mínimas para o surgimento de uma literatura autônoma.
Claro que o Arcadismo não é o grito de autonomia da literatura brasileira, pois a dependência econômica e política gera também a dependência cultural. Os autores árcades seguem completamente os modelos poéticos em voga nos países imperiais. Neste aspecto, pouco contribuíram para a efetivação de uma arte diferenciada das européias.
Devemos entender, contudo, que a criação de uma literatura não é trabalho de apenas uma geração e sim de várias. E a construção de um incipiente sistema literário durante o Arcadismo, representa o primeiro e decisivo passo no processo de fundação da literatura brasileira.
(1768-1808)
As formas artísticas do Barroco já se encontram desgastadas e decadentes. O fortalecimento político da burguesia e o aparecimento dos filósofos iluministas formam um novo quadro sócio político-cultural, que necessita de outras fórmulas de expressão. Combate-se a mentalidade religiosa criada pela Contra-Reforma. Conhecida como Arcadismo, uma influência que inspirava-se na lendária região da Grécia antiga, já chegava à Itália . No Brasil e em Portugal, a experiência neoclássica na literatura se deu em torno dos modelos do Arcadismo italiano, com a fundação de academias Arcadismos, simulação pastoral, ambiente campestre, etc. Esses ideais de vida simples e natural vêm ao encontro dos anseios de um novo público consumidor em formação, a burguesia, que historicamente lutava pelo poder e denunciava a vida luxuosa da nobreza nas cortes. A primeira obra do arcadismo foi feita em 1768, denominada Obras Poéticas, de Cláudio M. da Costa.


Características do Arcadismo

 
A ausência de subjetividade, o racionalismo, o soneto (forma poética), simplicidade, pseudônimos e bucolismo (natureza) e o neoclassicismo são umas das características do Arcadismo, disposta a fazer valer a simplicidade perdida no Barroco. Entre outros:


Fugere urbem

 
Os árcades buscavam uma vida simples, bucólica, longe do burburinho citadino.


Inutilia truncar

 
A frase em latim resume grande parte da estética árcade. Ela significa que "as inutilidades devem ser banidas" e vai ao encontro do desprezo pelo exagero e pelo rebuscamento, característicos do Barroco.
Carpe diem

 
Aproveitar o dia, viver o momento presente com grande intensidade, foi uma atitude inteiramente assumida por esses poetas.
Poetas da Inconfidência Mineira
Não existiu, no Brasil, uma Arcádia, como em Portugal. Um vigoroso grupo intelectual (o grupo mineiro) destacou-se na arte Arcadismo e na prática política, participando ativamente da Inconfidência Mineira. Esse grupo, constituído por Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Inácio José de Alvarenga Peixoto, Manuel Inácio da Silva Alvarenga e outros intelectuais, foi desfeito de forma violenta, com a prisão, desterro ou morte de alguns poetas, à época da repressão política em torno do episódio da Inconfidência. Com os olhos voltados para a terra natal, esses poetas árcades iniciaram o período de transformação da literatura brasileira, que se vai efetivar, realmente, no século XIX, com os românticos. Tomás Antônio Gonzaga escreveu Marília de Dirceu, uma poesia lírica, e Cartas Chilenas, poesia satírica. Cláudio Manoel da Costa inspirou-se em Camões para escrever Obras Poéticas. Silva Alvarenga fez obras em forma clássica. Outros poetas como Basílio da Gama (O Uraguai) e Frei Santa Rita Durão (Caramuru) aparecem neste cenário.
EXEMPLO DE
Obras Poéticas, de Cláudio M. da Costa.
Soneto

Destes penhascos fez a natureza O berço em que nasci: oh quem cuidara. Que entre penhas tão duras se criara Uma alma terna, um peito sem dureza.
Amor, que vence os Tigres, por empresa Tomou logo render-me, ele declara Contra o meu coração guerra tão rara, Que não me foi bastante a fortaleza.
Por mais que eu mesmo conhecesse o dano A que dava ocasião minha brandura, Nunca pode fugir ao cego engano:
Vós, que ostentais a condição mais dura. Temei, penhas, temei; que Amor tirano, Onde há mais resistência, mais se apura.


Tomás Antônio Gonzaga
Marília de Dirceu, Lira I

 
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Que viva de guardar alheio gado; De tosco trato, d’ expressões grosseiro, Dos frios gelos, e dos sóis queimado. Tenho próprio casal, e nele assisto; Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; Das brancas ovelhinhas tiro o leite, E mais as finas lãs, de que me visto. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte, Dos anos inda não está cortado: Os pastores, que habitam este monte, Com tal destreza toco a sanfoninha, Que inveja até me tem o próprio Alceste: Ao som dela concerto a voz celeste; Nem canto letra, que não seja minha, Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela!
Mas tendo tantos dotes da ventura, Só apreço lhes dou, gentil Pastora, Depois que teu afeto me segura, Que queres do que tenho ser senhora. É bom, minha Marília, é bom ser dono De um rebanho, que cubra monte, e prado; Porém, gentil Pastora, o teu agrado Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela!
Os teus olhos espalham luz divina, A quem a luz do Sol em vão se atreve: Papoula, ou rosa delicada, e fina, Te cobre as faces, que são cor de neve. Os teus cabelos são uns fios d’ouro; Teu lindo corpo bálsamos vapora. Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora, Para glória de Amor igual tesouro. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela!
Leve-me a sementeira muito embora O rio sobre os campos levantado: Acabe, acabe a peste matadora, Sem deixar uma rês, o nédio gado. Já destes bens, Marília, não preciso: Nem me cega a paixão, que o mundo arrasta;
Para viver feliz, Marília, basta Que os olhos movas, e me dês um riso. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela!
Irás a divertir-te na floresta, Sustentada, Marília, no meu braço; Ali descansarei a quente sesta, Dormindo um leve sono em teu regaço: Enquanto a luta jogam os Pastores, E emparelhados correm nas campinas, Toucarei teus cabelos de boninas, Nos troncos gravarei os teus louvores. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela!
Depois de nos ferir a mão da morte, Ou seja neste monte, ou noutra serra, Nossos corpos terão, terão a sorte De consumir os dois a mesma terra. Na campa, rodeada de ciprestes, Lerão estas palavras os Pastores: "Quem quiser ser feliz nos seus amores, Siga os exemplos, que nos deram estes." Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela!


Basílio da Gama
O Uruguai (fragmentos)

 
"O rei é vosso pai: quer-vos felizes. Sois livres, como eu sou; e sereis livres. Não sendo aqui, em qualquer outra parte. Mas deveis entregar-nos estas terras. Ao bem público cede o bem privado. O sossego da Europa assim pede. Assim o manda o rei. Vós sois rebeldes, Se não obedeceis; mas os rebeldes Eu sei que não sois vós - são os "bons" padres, Que vos dizem a todos que sois livres, E se servem de vós como de escravos, E armados de orações vos põem no campo."


Os trechos abaixo pertencem a Cacambo, chefe guarani:

 
"...Se o rei da Espanha Ao teu rei quer dar terras com mão larga Que lhe dê Buenos Aires e Corrientes. E outras, que tem por estes vastos climas; Porém não pode dar-lhe os nossos povos (...)" "Gentes de Europa, nunca vos trouxera O mar e o vento a nós. Ah! não debalde Estendeu entre nós a natureza Todo esse plano espaço imenso de águas."
O trecho abaixo refere-se à expressão doce de Lindóia, já morta:
"Inda conserva o pálido semblante Um não sei quê de magoado e triste. Que os corações mais duros enternece, Tanto era bela no seu rosto a morte!"


Santa Rita Durão

 
Caramuru (fragmentos)
"Só tu tutelar anjo, que o acompanhas, Sabes quanta virtude ali se arrisca Essas fúrias da paixão, que acende, estranhas Essa de insano amor doce faísca ânsia no coração sentiu tamanhas Que houvera de perder-se naqu’hora Se não fora cristão, se herói fora." "Paraguaçu gentil (tal nome teve), Bem diversa de gente tão nojosa, De cor tão alva como a branca neve, E donde não é neve, era de rosa; O nariz natural, boca mui breve Olhos de bela luz, testa espaçosa."

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