9 de set. de 2011

O VELHO DA HORTA


O VELHO DA HORTA
Apresentação

O VELHO DA HORTA, de Gil Vicente, que foi representado em 1512, é uma farsa ( a segunda do camarada, a primeira é o AUTO da Índia, lembras?). Farsa é uma expressão latina que quer dizer rechear, fartar. É burlesca, exagerada, próxima do ridículo e principalmente centrada sobre quadros da vida real. O gênero originou-se na Idade Média francesa, mas a princípio pretendia apenas causar o riso sem reflexão, o que NÃO ocorre em Gil Vicente que sempre utiliza a ironia como modo de criticar a sociedade que o circunda a fim de moralizá-la.
É uma obra escrita em versos, com métrica popular que descreve uma intriga engenhosamente construída. O tema é o do velho apaixonado. O Velho está no seu jardim. E os jardins são para Gil Vicente lugares privilegiados, sempre impregnados mais ou menos de eflúvios amorosos. Uma jovem vem ali para colher "cheiros para a panela". O Velho corteja-a e ela resiste.
A mulher do velho manda-o chamar para vir jantar, mas ele recusa-se e fica no jardim esquecido da sua idade e entoando canções de amor.
A Alcoviteira Branca Gil, vendo nele uma presa fácil, vem encontrar-se com ele. Consegue extorquir-lhe todo o dinheiro que pode levando-o a acreditar que lhe abrirá caminho até ao coração da jovem. Mas um alcaide, acompanhado por quatro beleguins, prende Branca Gil, que será castigada como merece.
E o Velho vem a saber que a moça por quem está apaixonado já se casou com um "noivo moço" que "não tirava os olhos dela".
Pouco mais seria necessário para fazer de tal tema um drama, isso até acontece algumas vezes na maneira como se exprime o Velho.
O velho apaixonado, apesar de tudo, continua sendo até ao fim ridículo e odioso. A simpatia dos espectadores vai toda para a jovem, apesar da crueldade com que ela o trata.
O que esta farsa exalta é a vitória da juventude e da vida contra a velhice e a morte. E acontece que, desta vez, a causa da juventude se confunde com a da moral, visto que no remate a jovem simpática se casa e o velho libidinoso é escarnecido.
Não perca de vista que há também uma crítica ao comportamento trovadoresco representado pelo velho e que é, como ele, ultrapassado.

A Narrativa
A obra começa com o velho que passeia por sua propriedade e reza o que mostra a influência medieval “Velho — Pater noster criador, Qui es in coelis, poderoso, Santificetur, Senhor,
nomen tuum vencedor, nos céu e terra piedoso. Adveniat a tua graça, regnum tuum sem mais guerra; voluntas tua”
Logo após entra a moça. Gil Vicente é um criador de tipos. A linguagem do Velho é um arremedo da poesia palaciana. A linguagem da Moça é zombeteira e se contrapõe à do velho : “Velho — Onde se criou tal flor? Eu diria que nos céus.
Moça — Mas no chão.
Velho — Pois damas se acharão que não são vosso sapato!
Moça — Ai! Como isso é tão vão, e como as lisonjas são de barato!
Velho — Que buscais vós cá, donzela, senhora, meu coração?
Moça — Vinha ao vosso hortelão, por cheiros para a panela.” A entrada do PARVO, criado do velho, mostra uma tentativa de chamar o patrão, inutilmente, para as coisas práticas do dia a dia: “Velho — Vai-te! Queres que t’açoite? Oh! Dou ao demo a intrujona sem saber!
Parvo — Diz que fosseis vós comer e não demoreis aqui.
Velho — Não quero comer, nem beber.
Parvo — Pois que haver cá de fazer?
Velho — Vai-te daí!”. A esposa do velho apenas entra para reafirmar o ridículo da situação.
Em seguida, entra em cena uma alcoviteira que oferece seus préstimos profissionais para garantir ao Velho a posse da amada. Mediante promessas de que o êxito está próximo, a mulher extorque toda a riqueza do Velho : “Velho — Dizede-me: quem é ela?
Alcoviteira — Vive junto com a Sé. Já! Já! Já! Bem sei quem é! É bonita como
estrela, uma rosinha de abril, uma frescura de maio, tão manhosa, tão sutil!...
Velho — Acudi-me Branca Gil, que desmaio.”. Finalmente, entra em cena a Justiça que prende a alcoviteira, mas retira do Velho a esperança de ver realizado tão louco amor: Alcaide — Vinde da parte de el-Rei!
Alcoviteira — Muita vida seja a sua. Não me leveis pela rua; deixar-me vós, que eu
me irei.
Beleguins — Sus! Andar!
Alcoviteira — Onde me quereis levar, ou quem me manda prender? Nunca havedes
de acabar de me prender e soltar? Não há poder!
Alcaide — Nada se pode fazer.
Alcoviteira — Está já a carocha aviada?!... Três vezes fui já açoitada, e, enfim, hei
de viver. No final, vem a notícia de que a jovem que motivou tão tresloucada paixão casou-se: Velho — Oh coitado! A minha é!
Mocinha — Agora, má hora e vossa! Vossa é a treva. Mas ela o noivo leva. Vai tão
leda, tão contente, uns cabelos como Eva; por certo que não se atreva toda a gente!
O Noivo, moço polido, não tirava os olhos dela, e ela dele.

ESTRUTURA DA OBRA

Quatro versos em redondilhas maiores e um quinto verso com três sílabas métricas. Os conceitos formulados pelo Velho acerca da natureza do amor são quinhentistas (Petrarca). A interlocução do Velho apaixonado, contagiado pelo gosto das antíteses e pelo conceito do conflito entre a razão e o sentimento amoroso:
“que morrer é acabar
e amor não tem saída"

Temática
O tema central é o amor tardio, extemporâneo, as conseqüências desastrosas desse amor e o patético e ridículo do assédio de um velho, que se julga irresistível, a uma jovem esperta e prudente.
Personagens

Parvo – criado do Velho com pouca cultura,limitando-se a chamar-lhe às realidades primárias da vida (o comer) incapaz de compreender grandes dramas.

Alcoviteira – figura pitoresca da baixa sociedade peninsular astuciosa e mistificadora,cuja moral independe de todas as leis da sensibilidade.

Alcaide – antigo oficial de Justiça.

Beleguins – agentes de polícia.

Mocinha – personagem que vai até a horta comprar.

Mulher – espera do Velho, Só interessa o prático

Velho – idoso, proprietário de uma horta, apaixona-se subitamente por uma jovem compradora. Mostra o comportamento palaciano, vassalo, é ridículo.

Moça – rapariga com certa experiência, com resposta ao pé da letra, confiante em si mesmo, disposta a zombar de um velho inofensivo,sem quebra da sua dignidade pessoal

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