9 de set. de 2011

Busque Amor novas artes, novo engenho,

essimista em relação à vida. Note como tal se observa no poema abaixo.
 
Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
 
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.
 
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
 
Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.
 
A experiência amorosa, como se vê, nem sempre é apresentada como positiva. Aliás, a lírica camoniana aborda as múltiplas facetas desse sentimento, desde o encantamento graças ao contato com o objeto amado até a dor provocada pela frustração de expectativas ou pelo fim de um relacionamento. Mas o mais chamativo, como se disse, é este segundo aspecto, que faz o poeta encarar o conhecimento amoroso como produtor de dores e decepções. Ainda assim, é curioso notar que o poeta ainda consegue, por pior que seja a sua situação, expressar, no quinto verso, uma ironia, amarga, mas que revela um caráter espirituoso.
No entanto, seu lirismo não se coloca restrito ao amor. Há também em Camões uma abordagem filosófica que se envereda pelos problemas que afetam a existência humana, como se detecta no texto a seguir.
 
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
 
Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.
 
O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria, e, enfim,
converte em choro o doce canto.
 
E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.
 
Enfrenta-se aqui um tema antiqüíssimo, presente até no livro bíblico Eclesiastes e na literatura das antigas Grécia e Roma, que é a efemeridade, ou seja, o caráter passageiro dos bens da vida.  Sua conclusão, no entanto, acaba por assumir, por meio de sua idéia paradoxal, um tom típico do Maneirismo, lembrando o tom dos textos barrocos.
Portanto, entende-se por que a obra lírica de Camões, principalmente os sonetos, acaba por se tornar um monumento da língua portuguesa, não apenas por causa da maneira como sua linguagem é elaborada, com graça, equilíbrio e maestria, mas também pelo denso conteúdo que expressa e toca fundo nas experiências humanas. Seus sonetos, pois, assumem facilmente a posição de clássicos.

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